
1. Recordações da Minha Inexistência, por Rebecca Solnit – tradução de Isa Mara Lando
264 páginas • título original: Recollections of My Non-Existence • Companhia das Letras
Talvez você não esteja familiarizado com o nome Rebecca Solnit, mas ela certamente gravita pelo seu universo, principalmente se você defende e luta pela igualdade de gênero. A escritora e historiadora é mais conhecida pela sua faceta como ativista/feminista e escreveu o famoso ensaio “Os homens explicam tudo para mim“, que popularizou o termo mansplaining (e cujo nome derivou de uma experiência surreal da autora, quando um homem passou uma festa inteira falando de um livro que ela deveria ler, sem se dar conta que, na verdade, ela era a autora). Nesse breve livro de memórias Rebecca rememora as inúmeras vezes em que, mulher-jovem-independente, precisou lidar com o assédio, a violência e, especialmente, o descrédito atribuído às mulheres, tanto na vida cotidiana quanto nos círculos intelectuais. Ela não apenas relembra casos específicos (e, infelizmente, muito familiares para nós mulheres), mas discorre numa prosa poética brilhante como a nossa vida é constantemente (e deliberadamente) apagada, como somos privadas do nosso senso de liberdade, de igualdade e de autoconfiança. E, mesmo debruçando sobre um tema tão pesado, a autora ainda tem a sensibilidade de nos presentear com belas histórias de amizade e força. Um primor.
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2. Três Irmãs, por Jung Chang – tradução de Odorico Leal
392 páginas • título original: Big Sister, Little Sister, Red Sister • Companhia das Letras
Três Irmãs é um desses livros de não-ficção que seria difícil de engolir se a trama tivesse saído da cabeça de um(a) romancista. Imagine só: três irmãs, entre as primeiras mulheres chinesas a serem educadas nos Estados Unidos, cujas vidas e cuja influência impactaram diretamente os acontecimentos mais marcantes da China moderna. É realmente impressionante constatar o poder político que as irmãs alcançaram ao longo da vida, sempre ao lado de homens poderosos (não poderia ser diferente numa sociedade tão patriarcal), exercendo uma enorme, senão decisiva, influência sobre eles e, consequentemente, sobre a história do país. Ei-ling, a irmã mais velha, casou-se com o homem mais rico da China; Ching-ling, a irmã vermelha, foi companheira do pai fundador da China moderna e morreu como presidente honorária da China comunista; May-ling, a irmã mais nova, foi a primeira-dama da República da China. Filhas de um empresário com uma visão de futuro, fica claro que as irmãs levaram uma vida de privilégios e que souberam se aproveitar bem, cada uma à sua maneira, as cartas que receberam ao nascer. Uma leitura duplamente proveitosa: a gente mergulha de cabeça na biografia épica dessas irmãs, enquanto se aprofunda nos detalhes fascinantes da história da China do século XX.
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3. O Impulso, por Ashley Audrain – tradução de Lígia Azevedo
328 páginas • título original: The Push • Paralela
Após o nascimento da sua primeira filha, Blythe Connor vê sua vida desmoronar: a exaustão de cuidar de um recém-nascido, a privação do sono e, especialmente, a obrigação de ser a mãe e a esposa perfeitas nesse momento de tanta fragilidade acabam minando a sua confiança e o seu casamento. Essa premissa, tão próxima da vida real de muitas novas mães, se torna ainda mais pesada quando ela passa a desconfiar que existe algo de obscuro na personalidade da filha. É a partir daí que o livro se torna um thriller de suspense: devemos ou não confiar no julgamento de Blythe, essa jovem mãe cujo histórico familiar é (para dizer o mínimo) triste e perturbador? Paralelamente, capítulos independentes narram as histórias traumáticas de maternidade da avó e da mãe de Blythe, como pequenos lembretes de que a história muitas vezes se repete. Como thriller, o livro funciona bem. Capítulos rápidos, de quatro (às vezes duas) páginas, fazem com que você se envolva de cabeça na leitura, tentando juntar as peças do quebra-cabeça. Eu senti falta de uma reflexão (e um questionamento) maior a respeito dos desdobramentos de uma infância dolorida, de experiências precoces de rejeição e abandono… mas acho que não era esse o tipo de livro pretendido pela autora. Sem dúvida vai ser adaptado para a TV ou cinema logo logo.
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4. Minha Luta 6 – O Fim, por por Karl Ove Knausgård – tradução de Guilherme da Silva Braga
1056 páginas • título original: Min Kamp 6 • Companhia das Letras
Três anos depois, finalmente pude ler o tão aguardado último volume da série Minha Luta ~ o livro anterior foi lançado em agosto de 2017. Pra quem não sabe do que se trata, tenho um post bem explicativo (e elogioso) sobre os três primeiros livros. Como esperado, o estilo do autor continua o mesmo: a sua maneira de contar a própria história, com os altos e (muitos) baixos, permanece cativante. Nesse último volume Karl Ove descreve, em detalhes, a reviravolta causada pela publicação do primeiro livro da série: o autor foi processado por familiares por calúnia ~ entre outras confusões ~ e a sua vida virou motivo de fofoca e intriga na imprensa escandinava. A digressão mais aguardada por quem vem acompanhando a série (e também a mais temida e a mais odiada por alguns) é o longo ensaio sobre Hitler, 400 páginas num livro de mais de 1000. Mas vale destacar que ele não se limita a escrever sobre a infância/juventude/ascensão do ditador, que em si já é interessante; Karl Ove também discorre sobre arte, literatura, linguagem, identidade… Eu, particularmente, gostei (embora ocasionalmente tenha achado BEM cansativo, especialmente as 51 páginas esmiuçando a poesia de Paul Celan). Também não posso deixar de mencionar o meu desconforto com as páginas finais, nas quais o autor descreve minuciosamente a doença mental da então esposa (a escritora Linda Boström Knausgård) ~ embora claramente essa superexposição tenha sido um dos fatores que contribuíram para o agravamento da sua condição. Um final audacioso, sem dúvida, para esse MEGA projeto autobiográfico.
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Qual foi o último (bom) livro que você leu?
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