1. Crônica da Casa Assassinada, por Lúcio Cardoso
560 páginas • Companhia das Letras
A vivência pacata de uma família tradicional mineira da região de Vila Velha é abalada com a chegada de Nina, uma linda jovem do Rio de Janeiro, prometida em casamento para Valdo, um dos três irmãos da última geração dos influentes Meneses. Nina é um furacão, presa na chácara que é símbolo da decadência de uma família que vive mais de memórias e de prestígio do que de existência real. O livro se constrói em torno de Nina, descrita magistralmente por Timóteo (o irmão mais novo, que vive trancado num quarto, isolado dos demais) como uma espécie de anjo exterminador, cuja existência explosiva trará consequências desastrosas para todos ao seu redor. A história é contada através de confissões, cartas, diários e depoimentos, um mosaico de narradores em primeira pessoa que ajuda a construir o cotidiano da chácara e dos seus personagens: os irmãos Meneses, Nina, Ana, André, o farmacêutico, o padre, o médico e a governanta Betty. Cada um traz a sua verdade, o seu ponto de vista ~ influenciados por emoções, paixões e interesses pessoais – e é isso que torna a narrativa tão múltipla e tão rica. Como acontece com todos os grandes livros, fiquei dias pensando nos Meneses depois que terminei de ler. E Lúcio Cardoso, o autor, foi um grande amigo de Clarice Lispector (ponto a favor pra ele, sem dúvida). Essa edição da Companhia das Letras inclui uma crônica tristíssima (e belíssima) da autora, publicada pelo Jornal de Brasil em 1969, após a morte de Lúcio.
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2. Debaixo do Vulcão, por Malcolm Lowry – tradução de José Rubens Siqueira
388 páginas • título original: Under the volcano • Alfaguara
Entrei nessa leitura com a expectativa lá em cima, por saber que o livro é considerado um dos romances mais importantes do século XX e fiquei realmente impactada ~ mais com a originalidade da narrativa do que com a trama em si. Geoffrey Firmin é um ex-cônsul britânico que vive no México, atormentado pelo alcoolismo e (talvez por isso) inclinado a uma vida de delírio e autodestruição. Mesmo amparado pela esposa (que retorna ao México numa tentativa de reatar o relacionamento) e pelo meio-irmão, Firmin não consegue fugir do seu destino conflituoso e trágico. Não é uma leitura fácil, pelo contrário, é um texto super denso que se passa praticamente dentro da cabeça do cônsul, que é um personagem altamente irônico e erudito (as referências à arte, filosofia, história e cultura em geral são infinitas). Fiquei um pouco perdida nas primeiras páginas; para mim foi complicado me adaptar a esse conturbado monólogo interior, mas a leitura acabou fluindo bem depois que entrei no clima dos personagens. Dito isso, devo confessar que toda essa temática “descida ao inferno” do cônsul me deixou bem pra baixo e ficava desanimada com a perspectiva de encarar essa atmosfera tão opressiva todos os dias (demorei séculos pra ler). O tipo de livro para reler depois de alguns anos, num outro momento, com um outro olhar.
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3. Klara e o Sol, por Kazuo Ishiguro – tradução de Ana Guadalupe
336 páginas • título original: Klara and the sun • Companhia das Letras
Num futuro próximo, em que grande parte dos trabalhadores foram substituídos por inteligência artificial, conhecemos Klara, uma máquina humanóide criada para ser um AA (Amigo Artificial). Num primeiro momento acompanhamos a sua rotina na loja onde está à venda ~ e seu anseio por ser escolhida pela “criança certa”, enquanto acompanha (e estuda) o comportamento de tudo e de todos que consegue enxergar através da sua janela para o mundo: a vitrine. Seu poder de observação extraordinário é o que a difere dos demais AAs ~ e é também um dos motivos para ser escolhida como companheira de Josie, nos anos solitários e difíceis que ela terá até a faculdade (particularmente difíceis devido a uma doença não especificada na trama). O que eu senti lendo o livro não foi exatamente uma falta de empatia pela menina-robô, mas um certo distanciamento. Talvez a mesma reserva que a maioria de nós sente quando se depara com um autômato ~ e a sua linguagem/natureza mecanizada (brilhantemente e intencionalmente criada por Ishiguro) certamente contribuiu para essa sensação. Klara tem uma mistura de inteligência e ingenuidade, um olhar infantil e esperançoso a respeito de uma sociedade que ela é incapaz de compreender totalmente. Não foi um livro que me arrebatou, mas que levantou algumas questões bem interessantes a respeito do que significa ser totalmente humano.
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4. Loira Suicida, por Darcey Steinke – tradução de Simone Campos
184 páginas • título original: Suicide Blonde • Companhia das Letras
Jesse é uma jovem de 29 anos que vive intensamente o underground e as esferas mais baixas de uma San Francisco dos anos 90, sempre envolta num submundo de drogas e relacionamentos confusos e violentos. O livro é uma sequência de relatos de Jesse, quase um diário da protagonista, onde ela narra sua vida errática em primeira pessoa. Esse universo caótico é muito bem construído pela autora, um prato cheio para quem curte esse realismo trash, cheio de angústia e sexo perverso. O que me pareceu mais real no romance foi o relacionamento (triste e tóxico) de Jesse com o apático Bell, seu namorado bissexual, deprimido após receber o convite de casamento do seu primeiro amor. Já outras situações específicas vividas pela protagonista me pareceram surreais demais, estilisticamente construídas para “chocar” ~ e talvez por isso eu não tenha me conectado tanto com a leitura. O ponto alto da narrativa (e o motivo do livro ser considerado um clássico feminista) é que Steinke conseguiu criar uma personagem feminina em busca de identidade, profundamente solitária e confusa, mas que não desiste de correr atrás e saciar os seus desejos mais profundos.
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Qual foi o melhor livro que você leu esse ano? Me conta aí nos comentários. :)
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