1. O Deus das Avencas, por Daniel Galera
248 páginas • Companhia das Letras
Três novelinhas curtas do premiadíssimo Daniel Galera (vocês leram Barba Ensopada de Sangue?), mas nossa, como me tocaram! Na primeira história, que dá nome ao livro, a angústia de um casal à espera do nascimento do filho, às vésperas da traumática eleição de 2018. Foi impossível não me identificar com o pavor do desconhecido em ambas as frentes ~ eu estava grávida de 6 meses em outubro de 2018. Do passado recente, Galera pula para um futuro distópico em “Tóquio”, narrando a trajetória de um homem solitário em São Paulo, obrigado a lidar não só com as consequências de um desastre ambiental e tecnológico, mas também com o penoso legado deixado pela mãe. Daí, pulamos para uma realidade ainda mais pós-apocalíptica em “Bugônia”: a espécie humana está quase extinta devido a uma peste que assolou o planeta, mas uma pequena comunidade consegue encontrar o equilíbrio perfeito com a natureza e prosperar. Porém o seu segredo e a sua sobrevivência são ameaçados com a chegada de um estranho visitante. Não entrei em mais detalhes a respeito de cada história porque o ideal é ir descobrindo os pormenores aos poucos e se surpreender, como aconteceu comigo. O que eu posso dizer é que eu percebi nas três novelas um crescente de calamidades, um vislumbre do que pode vir a ser a nossa realidade caso não exista uma mudança de pensamento e de atitude, especialmente no que diz respeito às relações humanas e ao meio ambiente. Leiam.
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2. Ada ou Ardor, por Vladimir Nabokov – tradução de Jorio Dauster
608 páginas • título original: Ada or Ardor – A Family Chronicle • Alfaguara
Sem dúvida a minha leitura mais demorada do ano passado ~ um mês que pareceu uma eternidade ~ simplesmente porque não consegui me conectar minimamente nem com os personagens, nem com a trama. O livro é vendido como uma história de amor pouco convencional, um romance de oito décadas entre dois primos, quando, na verdade, (ALERTA de spoiler!) se trata de um caso incestuosíssimo entre irmãos, altamente sexualizados desde bem novos: o protagonista Van Veen com 14 anos e a prima/irmã Ada com apenas 12 (e a irmãzinha mais nova também entra na história depois). Como se não bastasse esse contexto pesado (pra dizer o mínimo), os dois personagens são terrivelmente desinteressantes, autocentrados e irrealisticamente superdotados, o que tornou a leitura arrastada e penosa para mim. Eu sinceramente não fazia a menor questão de saber o que iria acontecer em seguida. Uma das provocações do livro, e que super me interessou quando eu li a premissa, é a fantasia histórica criada por Nabokov (a história se passa num mundo imaginário russo-franco-americano), mas essa ambientação curiosa não foi suficiente para me deixar menos furiosa com os protagonistas egóticos e com a enxurrada de referências (que, sinceramente, só consegui captar uns 30%, se tanto). O contrário da minha experiência com Lolita, que, apesar do tema similarmente pesado (e da análoga erotização de uma menina de 12 anos), possui uma narrativa brilhante, que sufoca e impressiona ao mesmo tempo. Dizem que Fogo Pálido (seu romance mais aclamado depois de Lolita) é incrível também ~ mas, depois de quase 600 páginas cansativas de Ada ou Ardor, preciso de uma pausa antes de encarar outro Nabokov. Ufa.
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3. O Outono da Idade Média, por Johan Huizinga – tradução de Francis Petra Janssen
696 páginas • título original: Herfsttij der Middeleeuwen • Penguin-Companhia
Um estudo minucioso e riquíssimo sobre as formas de vida e de pensamento da Idade Média na França e nos Países Baixos nos séculos XIV e XV. Huizinga optou por não usar uma abordagem que privilegiava questões econômicas e institucionais, como era de praxe na historiografia medieval, e sim por investigar as sensibilidades, os sonhos e as representações culturais da época (e, como consequência, foi muito criticado por uma suposta falta de rigor científico). O autor não se limita a definir esse período da história como uma Idade das Trevas. Pelo contrário, mostra que o desejo de ocultar uma realidade dura e cruel, vivendo uma rotina heróica e virtuosa (por meio do ideal da cavalaria e do fervor religioso) levou à uma regulação exagerada da vida social, com regras e jogos esvaziados de sentido. Muito esclarecedor. Originalmente publicado em 1919, o livro possui um certo rigor acadêmico que não chega a ser desanimador, mas que é certamente BEM diferente do tom mais leve e descontraído dos livros de história mais modernos. Não foi para mim uma leitura molezinha, mas valeu a pena insistir.
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4. Casta, por Isabel Wilkerson – tradução de Denise Bottmann e Carlos Alberto Medeiros
464 páginas • título original: Caste: The Origins of Our Discontents • Zahar
UAU, que livro impressionante e necessário. Wilkerson faz uma profunda investigação sobre o racismo, utilizando para isso o conceito do sistema de castas: uma construção artificial que estabelece a suposta supremacia de um grupo contra a suposta inferioridade de outros. Para isso, ela faz uma comparação entre a realidade americana, o sistema de castas indiano e a Alemanha nazista, mostrando que cada uma dessas versões de casta se baseou basicamente na estigmatização dos (supostos) inferiores como estratégia para desumanizar e manter na base as pessoas de classificação mais baixa. Em outras palavras, ela define a casta como uma poderosa infraestrutura que mantém cada grupo em seu lugar. Realmente fascinante. Dá para identificar muitos pontos em comum entre a realidade americana e a brasileira, o que torna a leitura ainda mais poderosa. Apesar do tema pedregoso, a autora termina o livro com uma perspectiva positiva e esperançosa ~ e gostei especialmente do que ela definiu como empatia radical, um mais do que necessário esforço para ouvir, aprender e entender a experiência alheia pela perspectiva dessa outra pessoa, e não apenas imaginar como nos sentiríamos na mesma situação.
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